sábado, 20 de novembro de 2010

Poema



Se apenas nos restar, ao fim da tarde

'Valeu a pena? Tudo vale a pena/ Se a alma não é pequena./Quem quer passar além do Bojador/Tem que passar além da dor.' (Fernando  Pessoa)


Se apenas nos restar, ao final da tarde
uma tênue lembrança de um tempo mágico
& agitado
em que sonhávamos acordados
& o sonho era possível e necessário
e obreiramente buscávamos edificá-lo


E era um tempo de trevas e de glórias
anos anos anos de chumbo, nebulosos
em que com nossos corpos franzinos
escalávamos escarpas de montanhas
e transpúnhamos solenemente os mais íngremes
obstáculos
& correntezas letais
carregando desafiadoramente a bandeira da rebeldia
& da fraternidade
da utopia & da esperança


Companheira
se ao final da jornada
sobrar mais prantos que alegrias
e apenas nosso cão estiver conosco 
festejando  entre nosso olhar cúmplice
& solidário
e um ou dois amigos/companheiros, raros, que restaram
para charlarmos entre um e outro mate
ao fim de uma tarde invernal
onde nossas relembranças & recuerdos
& angústias pautam os assuntos


Mesmo assim, companheira,
com essas verdades metálicas e abrasivas
nos corroendo por dentro
mordendo nossas entranhas &
corações

terá valido a pena
por que fizemos o que tinha que ser feito 

por que era preciso andar pra frente
por que não se podia jamais retroceder


Se o tempo de hoje é diferente
daquele quando nos chamávamos camaradas
e oferecíamos, nas avenidas infestadas
de truculência policial  & contrapondo-se à eles
nossos peitos desnudos mas repletos
de despreendimento & coragem juvenil
E confundíamos nossas vidas, nossos sonhos
E éramos solidários na fome e no combate
& multiplicávamos o pão a energia
& a esperança

Se apenas nos restar uma lembrança
desses tempos gloriosos e obscuros
Mesmo assim, companheira,
Terá valido a pena

por que fizemos o que tinha que ser feito
por que era preciso andar pra frente
por que não se podia jamais retroceder


Se, então, no ocaso dos nossos dias, for essa a realidade,
companheira,
ainda assim terá valido a pena
pois teremos deixado  sementes plantadas
(e sabemos que Gaya,  fértil, fará a sua parte
nosso modesto testamento
para os que vierem depois)

-por que  (ainda) é preciso andar pra frente
-por que não se pode mais retroceder


Se, profunda lástima,  ausentarem-se os amigos mais fraternos
e os camaradas nos virarem as costas
& se o partido frustrar os lutadores
& equivocadamente recuar de sua missão
& a palavra solidariedade for sepultada
nas covas do egoísmo, do oportunismo
& da traição
Se for somente isso o que nos restar, ao fim da tarde

Mesmo assim, não capitularemos
não entregaremos nossas armas, companheira:

Por que é preciso - sempre-  andar pra frente
por que é preciso - sempre - acreditar
que, afinal, apesar das intempéries, dos tormentos
é possível (Fênix)...  vencer...
por que  -  ao fim e ao cabo - a luta, a vida ... vale a pena!
E por que não se pode, jamais,  retroceder!

(Júlio Garcia - Canoas/2009)

Poema














Khadro Ling


No topo da montanha iluminada
de Águas Brancas
Sopram os ventos incessantes que carregam
No seu solidário e irrequieto
dorso errante, as sábias
& abençoadas mensagens de amor, de compaixão,
de ternura e paz
em benefício de todos os Seres
(Bandeiras e Rodas de oração)


No cimo da montanha o Templo soberano
&, mais abaixo
Em harmonia com a natureza preservada
Sob o canto dos pássaros nativos
Mentes -igualmente - iluminadas contemplam
as estátuas colossais artisticamente trabalhadas

Até onde a vista alcança
O vale é verde verde verde
Contrastando com o azul infinito e puro
Dos céus imaculados

Lá embaixo
Serpenteia o pedregoso e revolto Paranhana
Tonificando o pé da montanha misteriosa
A Terra Pura
Onde habitam entre florais & incensos
(recitando suavemente os mantras sagrados,
com suas vozes cálidas & sensuais
repletas de Sabedoria Milenar)

As Dançarinas dos Céus

Júlio Garcia - Nov./2010