domingo, 16 de setembro de 2007


Último Trem


(para Jim Morrison)

O vidro da janela, embaçado, não permite distinguir direito
os fantasmas que cruzam as calçadas...
- Boa noite, amigo. O último trem para o inferno
vai partir!
(O redemoinho atira doido folhas poeira cacos
de vidro, dejetos nas paredes, ciscos, galhos, tudo...)

- Boa noite, irmão. A ponte vai ser dinamitada; as carnes
os ossos queimarão solenes
fedorentos e rápidos pelo napal
(impassível).

***

As roupas disformes
as botas
a alma em frangalhos
o pavor nos olhos vidrados
(o derradeiro epitáfio).

***

Figuras tétricas, sombras da noite
ameçando
Navalhas, punhais - o fio rasgando a carne
gemidos ecoando pela noite
drogas
risos insossos nos bordéis
meninas rotas doando-se por nada
vômitos, bêbados trancando as calçadas
a cidade, o país, o mundo
apodrecendo...

***

Ouvidos moucos não escutam
o troar da tempestade
olhos cegos não tremem mais
com a faísca súbita dos coriscos.

- Boa noite, camarada. A última batalha
acabou de ser travada.
Já vai partir o trem
para o inferno
(sem direito à passagem
de volta).

***

Ah Terra! ah futuro! ah perdas, perdas, sonhos ... vida...
sacrifício ...perdas totais
(desperdício).
A barbárie vencendo a guerra
(derradeira).

***

O vidro da janela, embaçado, não permite
distinguir direito os fantasmas
que cruzam
torpes
as calçadas...

-Boa noite, amigo.Não se atrase: o último trem
para o inferno
vai partir...


Júlio Garcia in 'Cara & Coragem' -1995.

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